domingo, 1 de março de 2015

A História de quando as mulheres gostavam mais de sexo do que os homens...


Actualmente existe uma ideia generalizada no mundo ocidental de que as mulheres, no geral, têm uma líbido menor que os homens. Este conceito encontra forma na nossa sociedade sobre a forma de vários preconceitos, que fazem dos homens carregados de testosterona pessoas obcecadas por sexo que não conseguem parar de ver pornografia e masturbarem-se, e que colocam as mulheres num papel passivo, quase de vítima sexual, que “cedem” ao incontrolável impulso sexual dos homens dando-lhes algum do sexo que estes pretendem, cabendo-lhe a elas a difícil tarefa de garantirem que os homens não se "aproveitam delas".

Quanto à relação entre o sexo e o poder irei escrever noutra altura. Por agora vou focar-me apenas neste preconceito de assimetria de desejo sexual entre os sexos.

Este conceito de maior líbido dos homens é de tal forma prevalente que se torna algo difícil de acreditar que alguma vez pudesse ter sido diferente. 

Mas a realidade é que o era. Está profusamente documentado na História, até há relativamente pouco tempo, que as mulheres teriam uma líbido MAIOR do que os homens, assumindo elas invariavelmente na literatura, artes-plásticas e relatos de historiadores o papel de tentadoras insaciáveis, às mãos das quais os homens se submetiam sexualmente. Uma listagem interessante destas referências pode ser encontrada, a título de exemplo, no livro “Women in Ancient Greece” de Sue Blundell, mas qualquer pesquisa facilmente encontra um enorme número de referências semelhantes.

Pegando num exemplo concreto, Montaigne, o pai do relatório psicológico, dizia num muito remoto século XVI que as mulheres eram de um ponto de vista sexual “muito mais aptas e ardentes que os homens, e neste tema sabem sempre muito mais que eles, pois é uma disciplina que lhes corre nas veias” (tradução minha).

Mas, porque não ir um pouco mais longe: Adão não teve que ser “seduzido” por Eva? :)

Foi apenas após um muito conservador século XIX que esta visão começou a mudar. 

Fruto talvez de pressões religiosas de um protestantismo que procurava fazer das suas mulheres clericais símbolos de virtude, ou de uma disseminação de cultura Victoriana por um Mundo então dominado pelo Império Britânico o que é certo é que lentamente houve uma inversão deste estereótipo, criando-se uma estratificação social baseada no comportamento sexual em que as mulheres de classe elevada eram vistas como puras e quase desprovidas de desejo ao passo que uma vida de luxúria era mais digna de mulheres pecaminosas ou de classe mais baixa.

Este conceito de associação de líbido elevada numa mulher a uma condição inferior foi ainda exarcebada como forma de segregação racial e xenofóbica, pois o primeiro confronto do mundo ocidental com a globalização trazida pelo comércio marítimo criava a oportunidade para considerar uma vida sexual activa como algo reservado para mulheres imigrantes ou de raça negra, preconceito que nos EUA ainda hoje teima em morrer em alguns estados.

Mas o efeito mais insidioso deste fenómeno foi bem mais longe, na minha opinião. A transição desta crença de desejo da mulher para o homem colocou na mulher um conjunto de expectativas sociais quanto ao seu comportamento, passando-lhe a responsabilidade de se manter num plano comportamental de restrição sexual acima do homem que, “coitado”, não consegue resistir aos seus impulsos sexuais. É a base do pensamento irracional que leva a responsabilizar as mulheres por serem violadas.

E é uma indoutrinaeão social contra a qual temos que lutar.

Não quero com este texto dizer que as mulheres têm mais ou menos líbido que os homens. Todos somos indivíduos, uns com mais desejo que outros, independentemente do sexo.

E está na altura de deixarmos cair estereótipos e respeitamos a individualidade sexual de cada um.